sexta-feira, 13 de março de 2015

No espelho...

Saudades...

Hoje vim partilhar com vocês algumas coisas ocultas de minha relação com o adicto. E outras coisas ocultas desde a nossa separação.

Antes da separação, passamos por vários altos e baixos.
Quanto aos ALTOS...
Ele sabia, como ninguém, me fazer a mulher mais feliz do mundo!
Era gentil, divertido, carinhoso.
Foi meu melhor amigo, companheiro, homem e amante...
Ele não era muito jeitoso para lidar com as minhas aflições e angústias. No início isso me incomodou bastante (sintomas de codependência: colocar nossas angústias nas mãos do outro!), mas depois percebi que não era por não me amar, mas por que essa era mais uma de suas limitações.

Quanto aos BAIXOS...
Como grande parte dos adictos, ele só consegue entrar em recuperação quando "está por baixo".
Ele é bom e honesto, mas não acredita em si mesmo.
Se o DQ não mantiver firme o propósito da recuperação, a auto-suficiência o domina muito facilmente. E isso acontecia muito com ele.
E nessa hora toda sua bondade caia por terra. Ele era hostil, grosseiro, prepotente e arrogante.
No início eu reagia, o que tornava a situação muito pior.
Demorei a assimilar a frase: "Não adianta buscar por resultados diferentes repetindo as mesmas atitudes!"


Quando mudei minha forma de agir e reagir, as coisas caminharam por novos e melhores rumos...

Não... Não foi nada fácil manter a relação.
Na fase ativa, por inexperiência e imaturidade, me coloquei em diversas situações humilhantes e de risco. Cheguei a um fundo de poço extremamente fundo! Adoeci...
E depois que fomos morar juntos, após sua internação, também me joguei em diversos fundos de poço. Todos em função da codependência!

Mas a relação NUNCA foi um fardo para mim. Sabe por que? 
Primeiro porque eu me apaixonei por ele no exato instante em que o vi pela primeira vez, em 1999!
Eu nunca esqueci aquela cena, naquele dia de carnaval...
E segundo porque meu amor por ele é (era) incondicional. E eu SEMPRE acreditei na sua capacidade de se recuperar.
Você sabe o que é amar assim?
É amar o outro independente de qualquer que seja sua condição. É aceitar o outro com todas as suas qualidades, mas também com todas as suas misérias, suas limitações. E amadurecer com isso!
É receber o outro em seu pior estado de (in)sanidade e, ainda assim, conseguir retirar dele o melhor.


É um amor que não prende e que não humilha.
Apenas quem ama incondicionalmente é capaz de deixar o outro ir, mesmo quando o coração implora para que ele fique, é capaz de aceitar as escolhas do outro sem contestar.
As mães sabem muito bem o que é esse tipo de amor!

Eu estou 100% em paz desde que ele se foi, simplesmente porque eu aceitei sua escolha.
Lógico que fiquei triste várias vezes, que chorei, que desejei que fosse um pesadelo...
Mas, mesmo assim: EM PAZ!
Minha vida não cansou de evoluir...
Eterna gratidão!

Amar incondicionalmente é diferente de amar cegamente.
O primeiro é saudável, puro e santo, pois ele nos ensina a estabelecer limites a nós mesmas e ao outro. O segundo é doentio e insano!

"Eu não posso ficar com você. Eu quero beber e fumar meu baseado, e com você eu não posso fazer isso. Você não merece!"

E, quer saber? Não mereço MESMO!
Encarei esta frase como uma tremenda declaração de amor, porque ele preferiu me poupar de reviver no inferno, já que queria voltar a usar.
No dia que ele me falou isso, recentemente, na porta do prédio onde está morando, eu pensei (não verbalizei, apenas pensei!):

"Caramba! Como você é imbecil! Até quando você vai ficar batendo cabeça? Como consegue ser tão idiota a ponto de pensar que para ser feliz é preciso bebida e maconha? Até quando você vai insistir com a ideia de que consegue ficar "só" na bebida e na maconha?"

Mas, ao mesmo tempo, pensei também:

"Gratidão por me poupar! Gratidão por não permitir que eu passe por isso de novo!"

Eu fui sua melhor mulher e amante. Fui também sua melhor amiga, irmã, conselheira e terapeuta.
Não existe absolutamente NINGUÉM no mundo que o conheça como eu. E ele sabe disso e já verbalizou diversas vezes.

"Você me conhece como ninguém, mais até que minha mãe."

Não estou me gabando, mas tenho certeza ABSOLUTA que ele jamais encontrará outra mulher que o aceite, com todas as suas limitações, e acredite nele como eu. Ele NUNCA encontrará outra mulher que o incentive tanto quanto eu, em tudo, tanto profissionalmente, quanto pessoalmente. E TODOS que conhecem nossa história dizem a mesma coisa.

"Se não fosse por você, eu não estaria aqui. Você salvou minha vida."

 Outro dia, por acaso, uma pessoa me contou que um amigo dele de infância comentou:

"É, depois que ele terminou com a Flor, já tá pirando de novo, só no rock!"

Passo Um: sou impotente perante as escolhas do outro!

Desde que ele se foi, tivemos vários momentos juntos, inclusive quando ele estava com a "ex-emocionalmente-instável".
Como eu disse na postagem anterior, desde que nos separamos, foram vários momentos de ausências e também de presenças.
"...Nas ausências: tsunamis e calmarias...
Nas presenças: calmarias e tsunamis..."

Algumas vezes ele impedia que a doença o controlasse e aceitava suas fraquezas (calmarias). Então ele chorava no meu ombro, pelo inferno que estava vivendo, por conta de suas escolhas.

"Quando eu estava com você, eu recebia o dobro do que estou recebendo agora ($)... Larguei a pós-graduação, tranquei... Eu não sei me divertir... Ao seu lado eu sempre tive paz... Eu fico lembrando de tudo que vivemos juntos. Isso me faz bem!... Sinto muita saudade de sua mãe, de sua família, das cachorras..."

Mas, no "minuto seguinte", a doença voltava a dominá-lo, e ele recuava (tsunamis).
Fui acusada de estar atrapalhando sua vida, pelas brigas com ela.
Insanidade total!
Mais de uma vez ele me ligou, enquanto estava com ela, gritando ao telefone e me mandando parar de escrever no blog.
Mais de uma vez ele também me ligou dizendo que sentia minha falta.

Nas ausências, tsunamis...
Então eu chorava e rezava... E a gratidão pela paz de ser poupada pelo retorno da fase ativa aparecia em mim...
Nas ausências, calmarias... 

Por que isso tudo? Por que essa inconstância?
Simples...
Porque ele é um doente!
Sim, tanto o alcoolismo quanto a DQ são doenças mentais, reconhecidas pela OMS, cujos principais sintomas são: o desvio de caráter, o comportamento inadequado e a não aceitação de suas limitações.
Eles tem consciência do que fazem, mas se sabotam e justificam seus atos o tempo todo, levando a manipulações e mentiras frequentes.

Mas mesmo com todas as dificuldades, não me arrependo de nada! Não voltaria atrás para rasgar essa página da minha vida. Não teria desistido.
Sempre digo que eu não seria quem eu sou hoje se não tivesse vivido isso tudo!
Deus nos uniu...
Mas não adiantou (e nunca vai adiantar) essa ser a a vontade de Deus, afinal, Ele é tão amoroso e educado que nos deixa livres para aceitarmos ou não a vontade Dele para nossas vidas.
E o adicto não aceitou!

Esses dias soube que ele já está com outra...
E assim será... Outra, e mais outra... E mais uma...
Certamente elas não saberão da realidade da situação, e, de certa forma, serão "vítimas", e quando a corda apertar, elas vão cair fora... E a história se repetirá!
Afirmo isso, pois suas últimas palavras, no último dia que o encontrei (no início de fevereiro), foram:

"Não quero mais viver como um robô. Não quero ser cobrado por todo mundo se estou bebendo. Quero viver como uma pessoa normal. Fumar meu baseado e tomar minha cerveja quando der vontade."

Nesse dia, eu olhei para ele com os olhos marejados e falei: "Então tá!"

Eu não tinha forças para dizer mais nada.
Entrei no carro, fui para minha casa e chorei por alguns minutos.
Depois, minha cachorrinha começou a lamber meu rosto e fazer festa...
Eu sorri, levantei, peguei minha pequena no colo e a apertei bem firme!
Agradeci a Deus pelo crescimento e por quem eu havia me transformado.

Foi então que eu olhei ao meu redor e, pela primeira vez, me dei conta de tudo que conquistei, da casa linda, aconchegante, confortável que eu tenho. Tudo que existe ali dentro foi conquistado com muito esforço e tudo foi planejado com muito amor.
Enxerguei o quão bem sucedida eu sou: sou graduada, pós-graduada e concursada. E por ser reconhecida como professora, fui convidada para atuar na Secretaria, representando minha disciplina. Sou muito amada por meus (ex) alunos. Onde quer que eu encontre um deles, sou recebida com um abraço apertado e gestos de carinho. Tenho amigos de verdade que me acolhem e também puxam minhas orelhas. Tenho uma família cheia de defeitos e que, por isso, é muito abençoada! Uma mãe que me ama e me apoia em tudo. Tenho fé e tenho Deus!
Enxerguei, pela primeira vez, o meu valor!

E então, eu fui até o espelho e dei um sorriso para mim mesma...


Paz e luz!

7 comentários:

  1. O negócio é continuar caminhando! "Ando devagar, porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais"
    Bons momentos!

    ResponderExcluir
  2. Feliz por se olhar no espelho e se reconhecer quem é....suas conquistas...e de todas as suas conquistas te parabenizo pela mais importante...sentir amor por si mesma...tmj sempre

    ResponderExcluir
  3. Flor, sempre que leio seus posts me emociono e choro. Lindo demais esse amor que você tem por ele, lindo e puro. Ele também te ama e muito!!! Mas essa doença impede de vocês viverem felizes. Eu acredito em Deus, em milagres e em amor para vida toda.... acredito que vocês um dia irão se reencontrar. ... no tempo de Deus e com ele livre das drogas..... viverão uma linda história de amor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida..
      Gratidão pelo carinho!
      Se você se emociona, fico feliz, sinal que consigo transmitir o que sinto...
      Mas ele se foi e não vou mais alimentar esse amor.
      Virei a página...
      Deus sabe de todas as coisas!

      Excluir
  4. Nossa Flor, me emocionei também! Estou passando exatamente pela mesma situação: ele terminou pois não aceito sua cerveja. Mas apesar de triste eu abracei isso como uma oportunidade para virar a página. Sei que ele vai querer voltar, que vai ligar pra falar que sente saudades, outras vezes ligará para brigar, enfim, como já aconteceu outras vezes. Mas dessa vez quero fazer diferente: chega de ceder. Eu nunca estive mais forte do que agora, pois agora não quero apenas me livrar de um fardo pesado demais, agora eu me amo, agora sou feliz comigo mesma e isso faz toda a diferença. Antes quando só não tava aguentando eu tirava umas férias, tentava me reerguer, mas logo ele vinha com aquele papinho furado e eu me derretia, pois ainda não me amava e achava que só seria feliz com ele... E assim me enganava, dizia pra mim mesma que o fardo não era tão pesado assim e começava tudo de novo... Dessa vez não.

    ResponderExcluir